quarta-feira, março 04, 2009

Partido dos Trabalhadores 13! O MEU PT é 13 ,SEMPRE!


A velha máquina


Há pouco tempo, qualquer forma de estatismo era demonizada no pretenso universo privado dos ideais neoliberais. Visto como atrasada e incapaz de dar conta da modernidade, a nebulosa estatal era compreendida como um resto da influência do comunismo no mundo ocidental.

Se, por um lado, os interesses políticos são sólidos como rochas, o discurso político é volúvel, adaptando-se a cada circunstância. Em uma visão ingênua, ninguém mente, a retórica não existe e o que se diz é o que se deseja. A manipulação é uma ficção e tudo que se vê, revela, automaticamente, os interesses intestinos subjacentes. O mundo não precisa ser interpretado. Não existem segredos bem guardados e basta seguir a opinião comum socialmente compartilhada e co-validada, a cada momento, pelas mídias.

Em um exemplo, há pouco tempo, qualquer forma de estatismo era demonizada, no pretenso universo privado dos ideais neoliberais. Visto como atrasada e incapaz de dar conta da modernidade, a nebulosa estatal era compreendida como um resto da influência do comunismo no mundo ocidental. O Estado deveria se desocupar da economia, da educação e da saúde. Ainda bem, que pelo menos por aqui, essas idéias jamais foram integrais, consensuais e o desmonte não se completou, apesar de causar danos significativos. Imagine-se se não se pudesse contar com o Estado para diminuir os efeitos da atual crise.

A onda privatista das empresas governamentais e de parte dos serviços públicos foi suavizada, bem antes da atual crise econômica internacional. Acidentes de percurso, tais como o da crise argentina (2002), acenderam a luz vermelha. A privatização manteve-se como crença e prática limitada. Alguns dos seus mitos permaneceram de pé. No Brasil, um deles é o da independência do Banco Central. Vamos com calma! Independência de quem? Jamais se viu este Banco, construído com a mais-valia dos trabalhadores, desenvolver qualquer política que interessasse à maioria. O conceito de democracia dos banqueiros, rentistas e de seus prepostos estatais não inclui as demais pessoas e interesses. Eles esperam que a política de Estado sirva aos seus interesses e de mais ninguém.

Por isto, diferentemente de antes, agora, fortalecer o Estado, desde que ele sirva para manter os interesses de sempre, tornou-se algo emergencial aqui e pelo mundo afora. Antes era umpecado. No momento, os países centrais dão o maior exemplo. Ninguém imaginava ver governos estatizando bancos e, novamente, intervindo fortemente nas economias. O caso argentino da corajosa nacionalização da previdência privada é espantoso. Pelo menos, por lá, os contribuintes não ficarão sem suas cotas.

A história do Estado nacional brasileiro, como de muitos outros países, não é necessariamente motivo de júbilo. Ele nasceu como representante dos senhores de escravos, lutando para afirmar o nacionalismo escravista anti-britânico que inspirou sua constituição, ao longo do século XIX. Seu ápice e sua crise ocorreram no governo de Pedro II, deposto quando resolveu abolir a escravatura.

Na fase denominada República Velha (1889-1930), o Estado foi, sobretudo, um comitê dos negócios da exportação de produtos ainda coloniais, principalmente, do café. Serviu, também, para tentar disciplinar a modernização conservadora da sociedade. Esta conviveu com algumas rebeliões rurais - a mais importante foi Canudos - e com a emergência do movimento operário urbano, que jamais aceitou as terríveis condições de vida do proletariado local. De país dos escravos do passado, o Brasil passou a ser o refúgio de imigrantes pobres, que vieram substituir o tráfico, desde de antes do fim da monarquia (1889) e que trouxeram para o país as angústias e felicidades do movimento operário europeu. Este encontrou terreno relativamente fértil, no pós-Abolição.

A idéia de que a questão social era um caso de polícia substantivou a existência de um Estado paradoxal, republicano-aristocrático. Este era liberal no discurso, profundamente autoritário e emulador de uma perspectiva europeizante. Fingia-se que o Brasil era um país de brancos, jogando para debaixo do tapete os negros, os índios e seus descendentes. Ao mesmo tempo, não se aceitava a tendência política dos imigrantes, sobretudo dos italianos e espanhóis que trouxeram para o Brasil o anarquismo, o socialismo e o comunismo. O Estado continuava a ser senhorial e vinculado à propriedade da terra. A diferença é que o poder central tinha que negociar mais com os poderes regionais, mantendo-se a supremacia do triângulo de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

O paradoxo da República Velha foi modificado na Era Vargas, que se estendeu de 1930 a 1964, com inúmeras inflexões, golpes de Estado e diferenças. Tudo começou com o golpe 1930 que recentralizou o país, como na época da monarquia. Vargas governou durante quinze anos ininterruptos, período onde refundou o Estado brasileiro e deu as bases para o desenvolvimento capitalista do país. Sua ditadura pessoal não fez desaparecer por completo as origens anteriores do Estado nacional brasileiro. Ao contrário, houve uma depuração, no interesse de manter a velha ordem, só que com mais habilidade política.

Nos anos posteriores a sua queda, em 1945, ele voltará à política, agora na condição de presidente eleito e líder nacionalista. Seu suicídio, em 1954, ajudou a refixar sua imagem, que se confundiu com a do próprio Estado, deixando marcas que chegam aos dias de hoje. De Vargas para cá, o Estado nacional brasileiro foi se constituindo em uma nebulosa que inclui interesses e contradições. Vargas ensinou gerações a se comportar de modo híbrido e camaleônico, adaptando-se a cada situação. Sua morte violenta atrasou o golpe que iria modificar a natureza do Estado, sem negar por completo suas origens.

O que hoje sabemos é que o desenvolvimento econômico brasileiro foi obra do trabalho dos brasileiros. Conseguiu frutificar, quando o Estado apropriou-se do mesmo. Em mãos privadas, as riquezas foram dissipadas e quase nada restou para as gerações que se sucederam. Mesmo com as elevadas taxas da corrupção oficial, o Estado ainda conseguiu acumular.

Não foi a ditadura militar (1964-1985) que levou mais longe o processo de modernização econômica do país. O estilo fascista de governar, nesta época, impediu que o desenvolvimento tivesse trazido progresso para as massas, que poderiam ter enriquecido, na época das vacas gordas, e se preparado melhor para as crises que viriam a seguir.

De certo modo, o sofrimento dos que se opuseram às ditaduras brasileiras marcou para sempre a história do Brasil. Sem artifícios retóricos, não se pode lembrar de Vargas sem a censura, a tortura e as prisões do Estado Novo. Não dá, igualmente, para esquecer os imensos sofrimentos impostos aos brasileiros no período militar que se encerrou em 1985, deixando cicatrizes e dívidas, ainda em aberto. As riquezas produzidas nestas épocas foram manchadas pelo sangue, bem como, pela exploração dos trabalhadores. Com estes fatos, a nebulosa do Estado nacional brasileiro ganhou novos contornos.

Nas últimas duas décadas, tudo ficou ainda mais complexo. Por um lado, o Estado incorporou as lutas dos trabalhadores e se reconstruiu de modo democrático-formal. Por outro, ele continua trazendo em seus contornos a herança de seu passado, escravista, elitista, conservador e fascista. Seus aparelhos ideológicos e burocrático-repressivos carregam sua história, para o bem e para o mal. Suas estruturas econômicas, ainda são bem fortes, apesar do abalo privatista e neoliberal, continuam a sustentá-lo.

Na materialidade do universo, as nebulosas são nuvens de poeira estelar. Podem ser brilhantes ou escuras, refletindo ou não a luminosidade do universo. São portadoras do passado e do presente do mesmo. A nebulosa do Estado nacional brasileiro não é um corpo estelar. É algo construído pelos homens e mulheres, ao longo de suas histórias. Por isso, estão em seus alcances o poder de modificá-la, mesmo que isto não seja fácil. Mais difícil ainda, talvez seja retirar da mesma, os restos de poeira morta, ultrapassada pelo tempo, que cisma em continuar presente na velha máquina.

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